sábado, 7 de junho de 2008

Os sete magníficos: Arcade Fire

Como o Arcade Fire flertou com a religião e se cercou de mistério para criar um dos melhores discos de 2007
Cinqüenta mil dólares num saco de pão.O segundo e sombrio disco do Arcade Fire, Neon Bible (2007), teve diversos pontos de partida: a Guerra no Iraque, a igreja em Montreal que foi reformada pelo grupo de sete músicos e virou seu quartel general, e a rápida ascensão, que levou a banda da obscuridade às performances assistidas por fãs famosos como David Byrne, David Bowie e U2. Mas, na realidade, tudo começou em uma noite em Boston, quando Win Butler, o líder do Arcade Fire, segurou nas mãos um saco de pão cheio de dinheiro.Isso aconteceu há mais ou menos dois anos, no fim da primeira turnê da banda pelos Estados Unidos. O álbum de estréia, Funeral (2006), havia sido aclamado pela crítica e se tornado, surpreendentemente, um sucesso – foram mais de 345 mil cópias vendidas em todo o mundo. E a banda se viu sem saber o que fazer. Eles não tinham empresário; o baterista Jeremy Gara vinha exercendo a função, mas deixara a cidade sem conseguir depositar os rendimentos da banda num banco. Butler e sua mulher, Régine Chassagne, co-autores das músicas do grupo, passaram horas em seu quarto de hotel, contando o dinheiro do Arcade Fire.Mais tarde, naquela noite, Butler escreveu uma canção. Ele não tinha composto muito durante a turnê, mas essa saiu fácil – e expressou o sentimento de alienação que o atormentava: a lacuna entre suas ambições artísticas e os US$ 50 mil no saco de pão, e a confusão de ser um norte-americano que teve de se mudar para o Canadá e, desde então, se sentia como um turista na terra natal. “Don’t want it faster, don’t want it free” (“Não quero nada apressado, nada de graça”), Butler escreveu, e “don’t want to fight in a holy war” (“não quero lutar em uma guerra santa”), e, repetidas vezes, “don’t want to live in my father’s house no more” (não quero nunca mais morar na casa do meu pai”).O resultado, a canção “Windowsill”, viria a se tornar o cerne de Neon Bible: vultoso nas cordas, nos metais e no rock angustiado, o disco foi feito para jogar luz sobre o espelho negro da cultura dos EUA (veja o quadro “Estudos Bíblicos” na página ao lado). Apesar da frase “I don’t wanna live in America no more” (“Não quero nunca mais viver nos Estados Unidos”), Butler agora insiste: “Sou muito norte-americano – definitivamente, não sou canadense sob nenhum ponto de vista. Todos os outros integrantes da banda, quando recebem uma comida ruim no restaurante, ficam quase com vergonha. Eu não: as pedras fundamentais dos EUA são o juramento à bandeira e ‘o cliente sempre tem razão’”.O Arcade Fire, dez ou mais pessoas no palco, tem sete integrantes oficiais. Eles trocam de instrumentos aparentemente por vontade própria, e Butler usa a palavra “hierarquia” como se fosse um palavrão. No entanto, é óbvio que ele é o líder do grupo, apesar de venerar a democracia comunal. Ou, como diz seu colega de banda (e irmão mais novo) Will Butler, “Basicamente, compartilhamos a mesma visão ge-ral das coisas. Acho que somos uma república democrática, um sistema federal”.Às vezes, os procedimentos desse parlamento são obscuros: a violinista Sarah Neufeld e o baixista Tim Kingsbury nunca foram avisados de que eram integrantes da banda. “Fiquei sabendo por uma matéria que li em algum lugar”, diz Kingsbury. “Depois que sai no The New York Times, acho que se torna oficial.”“De vez em quando, eu até me procuro no Google pra checar meu status”, Neufeld confessa.Kingsbury ri, assustado, e rebate: “Não... É sério?”“Não, foi só uma piadinha”, Neufeld o tranqüiliza.Questionado a respeito das discordâncias entre o grupo, Will diz: “Varia: ‘Eu não acho que a gente deveria tocar quatro noites em Phoenix’, ‘Não acho que devemos ter um saxofone nessa parte da música’, ‘Quero assistir a Sete Homens e Um Destino’, ‘Quero ver Alien vs. Predador’”.Uma das discussões mais profundas da banda é se deve ou não fazer qualquer tipo de divulgação. Toda vez que recebem um pedido de entrevista, eles aparentemente debatem a questão profundamente. O multiinstrumentista Richard Reed Parry explica: “Estamos tentando nos movimentar em uma cultura em que as pessoas produzem um monte de lixo.